sábado, 26 de novembro de 2011

A PAIXÃO NO BANCO DOS RÉUS!



Este livro da Procuradora de Justiça de São Paulo , Luíza Nagib Eluf, faz uma análise de vários crimes passionais famosos. Numa linguagem clara e acessível, ela disseca as razões e consequências de cada caso. Uma leitura recomendada. Eu tive a sorte de ganhá-lo fazendo uma frase sobre cidadania. Um ótimo presente.

domingo, 16 de outubro de 2011

MÚSICA PARA SEUS OUVIDOS - CONCLUSÃO

O bandido do fundo do ônibus, vendo que algo estava errado, resolveu tomar uma providência. Como fazia parte do bando desde que este surgira, conhecia as manias e esquisitices de cada um, assim como eles também conheciam as suas. Uma dessas manias ( a deles, no caso) era música. A mulher, uma fã incondicional de rock americano, ou, nem mesmo americano, bastava que fosse rock. O namorado dela, ou chefe do grupo, um fissurado em MPB de qualidade. Quando ela abandonou seu posto, indo para onde se encontrava o garoto de som portátil ligado em boa altura, ele logo deduziu do que se tratava, pois ouvira a música que saía do aparelho. Rock puro. Conhecia o gênero, afinal, lá no esconderijo deles, era só o que ele ouvia. Ele sabia que quando a mulher ouvia certos grupos do gênero, parecia que entrava em transe, a tal música parecia dominá-la totalmente. Não estava sendo diferente naquele momento, e pelo que estava vendo, o chefe tinha dificuldades em trazê-la de volta à cruel realidade. Ele podia fazer alguma coisa, ou melhor, ele tinha de fazer alguma coisa, antes que tudo fosse para o ralo.
Então ele fez.
Antes que o cobrador pudesse se dar conta do que estava acontecendo, sentiu uma pancada na cabeça, que o deixou quase desmaiado, logo a seguir, seu corpo foi violentamente tirado do banco e jogado na escada do ônibus, ficando lá sem nenhuma possibilidade de reação.
O bandido que lhe havia acertado a cabeça com a coronha do revólver e jogado seu corpo ao pé da porta traseira do ônibus, estava sentado na pequena mesa que ele usava para guardar o dinheiro com que controlava o acesso dos passageiros, dando troco, se necessário. e que continha, também, alguns vales-trasporte. A mão direita do bandido empunhava o revólver, que mirava em alguém em alguma parte do ônibus, e ele já parecia ter essa pessoa sob a mira, pois, seu dedo indicador começou a pressionar o gatilho da arma. No que completou a operação ouviram-se duas explosões. Uma do seu revólver, outra do revólver de um sujeito de cabelos curtos, calça jeans e camiseta branca, que esteve todo o tempo à sua retaguarda, sem que ele desse importância à sua figura. O indivíduo, em questão, era um policial, que pela aparência devia estar na faixa dos trinta anos de idade. Aquele era seu dia de folga, mas ao presenciar toda aquela cena promovida pelo assaltante e de vê-lo naquela posição, de costas para ele, não perdeu tempo e aproveitou a deixa, sacando discretamente sua pistola e mirando a cabeça do malfeitor. Gostaria de ter conseguido atirar antes de o miserável disparar sua arma, mas não conseguiu, mesmo assim ele viu o infeliz tombar de cima da mesa do cobrador e cair ao lado do mesmo, sem sem ao menos saber quem atirou nele. Onde caiu, seu corpo ficou, dando a entender que já estava morto. O cobrador não conteve um grito de pânico.
Um rebuliço começou a se instalar dentro da condução.
Antes que o ambiente se transformasse num caos total, o policial temerário se dirigiu para o meio do ônibus, na intenção de pegar os outros bandidos. O casal. De onde estivera sentado conseguira visualizar os dois, a mulher e o cara que parecia o líder. Por coincidência já conhecia aquela quadrilha pela fama, possuía informações a respeito deles, eram sempre os mesmos, sempre com o mesmo modus operandi. Encontrá-los naquele coletivo fora um tremendo golpe de sorte, que não pretendia desperdiçar, ainda que estragasse seu dia de folga. Sabia acima de tudo, porém, que eram muito perigosos. Bem, pelo menos um já estava fora de ação, e isso não era pouca coisa.
A bala que saíra do cano do revólver do terceiro bandido, tinha se desviado no instante em que o tiro do policial atingiu a cabeça do malfadado dono,e, por um capricho do destino, a temível bala em vez de atingir seu alvo pretendido, ou seja, Bob do Discman, foi se alojar no lado esquerdo do peito da namorada do bandido chefe, no exato instante em que ala apontava, por sua vez, sua "máquina de fabricar presuntos" para o indeciso namorado. Seu corpo caiu em cima de Bob ,que até aquele momento estivera alheio a tudo que acontecia ao seu redor, observando a paisagem pela janela do coletivo, enquanto sua mente viajava embalada pela música que saía do seu aparelho, com a voz de Ian Anderson, o vocalisat do Jethro Tull. Mais tarde ele ficaria sabendo que a mulher que caiu morta em cima dele, era uma ardorosa fã daquela banda e de outras do gênero.
Não havia modo mais cruel de voltar à realidade do que sob a mira de um revólver. Foi assim que Bob Marley se viu à mercê de um trinta e oito pronto para entrar em ação. Ele viu, também, um par de olhos implacáveis fitando os seus, tão terríveis quanto a própria arma que o ameaçava. Ele jamais estivera naquela espécie de situação e por causa diso estava sem saber que atitude tomar. Reagir ou ficar esperando o desfecho? Não sabia. De uma coisa tinha certeza, sua vida estava por um fio e nem sabia sequer quem estava por trás daquele trabuco.
Então ele ouviu um grito.
O policial vendo aquela estranha cena da mulher caindo em cima de um garoto com um aparelho sonoro e o outro bandido apontando sua arma para o mesmo garoto, não teve outra atitude. Apoiou-se naquela divisória entre o cobrador e o corredor do ônibus e mirou na direção do assaltante, dando o grito, na intenção de colocar o dito cujo de frente pra ele. E conseguiu.
Os passageiros, nessa altura dos acontecimentos, manifestavam as mais variadas atituddes. Uns gritavam ( mulheres, na maioria) outros se abaixavam nos bancos, teve até um que tentou pular pela janela do coletivo, por sorte não completando seu intento. O motorista resolveu desviar o trajeto para uma delegacia mais próxima, aproveitando que a situação já perdera o controle. Ele observara pelo retrovisor a movimentação à sua retaguarda e por causa disso se sentira encorajado a realizar tal façanha.
O bandidão se virou e olhou na direçaõ do grito. Foi tudo o que ele fez, pois no instante seguinte sentiu um enorme impacto no peito e, a príncipio, não se deu conta do que acontecia, sua mão instintivamente procurou o lugar em que sentira o tal impacto, e a sensação de um líquido pegajoso o despertou para a realidade sombria que se abria diante dele. Seu último pensamento, quando seus joelhos começaram a dobrar, na verdade não chegou a ser um pensamento, mas uma imagem: Um sujeito de cabelos curtos, calça jeans e camiseta branca, que no momento apontava uma arma na direção de sua cabeça.
Foi então que ele, num derradeiro gesto de sobrevivência, tentou acertar o tal cara, fazendo um enorme esforço para mirar onde ele estava. Mas foi só. A sensação seguinte foi de que a sua cabeça tinha se tornado um tremendo big-bang, a enorme explosão que, segundo cientistas, tinha dado origem ao universo, só que na explosão em questão, naõ surgiram as estrelas primordiais e sim o sangue e tudo o mais que veio junto com ele. O bandido ainda vislumbrou por entre as trevas que se formavam ao seu redor, o cano da arma do seu carrasco, a qual soltava uma espécie de fumaça negra, que foi aumentando, até se tornar um enorme manto negro que o levou para sempre.
A confusão no coletivo era total. Pessoas haviam desmaiado, outras gritavam histericamente, algumas pareciam coladas nos bancos, fazendo os mesmos de travesseiros. Mas quando o homem que abatera o último bandido se identificou, o alívio começou a reinar no ambiente. O homem, então, foi em direção ao motorista para dar-lhe instruções no sentido que ele tomasse o rumo de alguma delegacia, coisa que o 'piloto" já estava fazendo, ciente de que estava próximo do bendito orgão público.
O garoto chamado Bob Marley, que gostava de um rock progressivo, parecia em transe. Ver uma mulher cair morta em cima dele, depois ficar na mira de um trinta e oito e logo a seguir assistir à morte do dono do revólver com uma bala no peito e outra na cabeça, foi um pouco demais para sua jovem existência, já desconectada dos fones do discman, que sem perceber, colocara ao redor do pescoço. Ele foi conduzido para fora do ônibus por um dos passageiros, no caso, uma senhora que pegou na sua mão sem nem ao menos ele se dar conta. Mais tarde tomaria uma importante decisão, nunca mais viajaria, fosse em qualquer meio de transporte, portando aparelhos sonoros, nem ao menos assobiaria alguma música de qualquer gênero musical.
Depois de ouvir alguns passageiros, o motorista, e de saber que entre os três mortos no ônibus, dois tinham sido abatidos por um policial, fato contado pelo próprio e confirmado por todos que participaram direta ou indiretamente daquela empreitada, o delegado tomou algumas providências. Mandou que o motorista entrasse em contato com sua empresa, dizendo que eles arrumassem um outro carro para que os passageiros completassem o seu percurso, afinal aquele teria que ficar retido para averiguação, pediu que o policial que fizera o trabalho no ônibus ficasse para dar um panorama completo do acontecido, num relatório, mandou que um dos seus policiais pegasse nome e endereço de cada um dos passageiros, incluindo telefone, para futuros depoimentos e, por fim, determinou que isolassem a viatura.
o cara que, em plena folga, se tornou o herói do dia, foi ao encontro do menino do discman, que ainda parecia fora desse mundo. Colocou sua mão direita sobre o ombro direito do menor,e, no tom mais amigável como se o conhecesse há muito tempo, lhe disse que possuía em casa uma coleção do Led Zeppelin, e, se ele quisesse poderiam fazer negócio. O garoto recobrou quase de imediato seus sentidos, captando essa mensagem. O policial, então, repetiu a proposta, a qual Bob Marley,ou, Bob do Discman disse que iria pensar.
Os dois trocaram um aperto de mão.
A tarde estava chegando ao fim
Em tempo: O cobrador foi medicado num hospital próximo e seu estado era bom.

domingo, 12 de junho de 2011

MÚSICA PARA SEUS OUVIDOS - PARTE 7

Ela foi em direção a Bob, quebrando o protocolo do assalto e deixando o chefe do bando confuso por alguns instantes. Mas logo ele se refez da ligeira perplexidade e retomou as rédeas da situação, mandando que a mulher voltasse para seu posto. Só que a mulher o ignorou e já estava se sentando junto a Bob, quando ele resolveu ser mais drástico. Com passos rápidos e largos alcançou a mulher antes mesmo que ela fixasse o traseiro na vaga ao lado do garoto. A reação dela foi tão surpreendente quanto ágil. Quando ele a tocou no braço, ela se virou com o revólver apontando para sua cabeça e, de acordo com seu olhar, pronto para entrar em funcionamento. Ele ficou sem ação por alguns segundos, e foi então que tudo começou a acontecer.

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CONTINUA

domingo, 29 de maio de 2011

MÚSICA PARA SEUS OUVIDOS - PARTE 6

Foi exatamente na hora em que Bob ( na verdade, Bob Marley Pereira da Costa) encaixou um CD no seu "discman", que o ônibus apontou na esquina. Fã de rock, não o hard rock, mas o rock progressivo, sem desmerecer, totalmente, a outra vertente do gênero musical, ele, no dia em que ficou sabendo a origem do seu nome, isso com mais ou menos quinze anos, teve uma pequena discussão com seu pai, afinal, fora o próprio quem escolhera seu nome, uma homenagem, à sua revelia, para certo cantor de reggae dos anos setenta, ele nem ao menos conhecia uma música do dito cujo, claro que não fazia o mínimo esforço para isso, o ritmo não lhe agradava, essa era a grande verdade. Seu pai ficou decepcionado com esse fato por algum tempo, mas depois acabou entendendo que não devia impor seus próprios gostos e vontades em quem quer que fosse, muito menos no seu filho, mesmo que fosse fã incondicional do tal sujeito de barba e cabelo rastafári. Por seu lado Bob pensava que seu pai bem que poderia ser um fã do rock progresivo, e assim, quem sabe, há vinte anos atrás, no lugar de lhe dar o nome de seu ídolo Bob Marley, ele poderia ter lhe batizado com nomes como Jon Anderson, vocalista do Yes, ou Mark Knofler, do Dire Straits. Mas o que fazer, né? Não se tem noção de livre arbítrio quando se é recém -nascido, e mesmo que tivesse, como se expressar , não é mesmo?
Bob Marley ( ou melhor, Bob,como preferia ser chamado) fez sinal para o ônibus que estava se aproximando do ponto onde estava. Em tempo. O CD que havia colocado no seu aparelho se tratava de uma coletânea do grupo Jethro Tull, banda de rock surgida nos anos sessenta.
Assim que atravessou a roleta do coletivo e procurou um banco que tivesse vaga na janela, encontrando-o lá pelo meio da condução, Bob se ajeitou no canto do macio acessório da condução, e, instintivamente, aumentou o volume do seu discman, chamando por alguns instantes a atenção de alguns passageiros. Ele nem se deu conta disso, mas alguém em especial prestou atenção nele.
A mulher do líder.
CONTINUA. &&&&&&&&&&&

sexta-feira, 22 de abril de 2011

MÚSICA PARA SEUS OUVIDOS - PARTE 5

O trio que assaltara o ônibus em que Lavínia se encontrava, já estava a bordo de outro nas mesmas posições anteriores, prontos para novo ataque.
O processo era sempre o mesmo. Eles pagavam a passagem, sendo que cada um embarcava em certo trecho do itinerário, como se fossem simples desconhecidos, então procuravam se colocar invariavelmente em posições estratégicas, na maioria das vezes a sorte os favorecia nesse sentido. Um ficava nos primeiros bancos, outro pelo meio e o terceiro lá pelas proximidades do cobrador. Faziam um reconhecimento da "área de trabalho" e só então, no meio da viagem, é que entravam em ação. A coisa não seria diferente dessa vez. No reconhecimento que haviam feito, não tinham visto ninguém que oferecesse perigo, para ser mais exato, ninguém com "pinta de cana". Na concepção deles, isso se mostrava como um ótimo sinal. Nas suas investidas nunca haviam se deparado, até então, com esta espécie de situação, não que tivessem medo, o que na verdade tinham, afinal, o medo é a parte integrante desse tipo de atividade e o segredo consiste em controlá-lo; o problema estava no imprevisível desse confronto com alguma autoridade policial. O prejuízo poderia ser imenso, mesmo se eles se livrasssem do pretenso indivíduo, teriam que suspender suas atividades por algum tempo, e isso se transformaria num estrago sem tamanho. O melhor era não pensar nisso para não atrair maus fluídos. Com pouco mais de um mês de atividades, ainda não tinham ferido nem matado ninguém, claro que se fosse preciso, não hesitariam, embora não tivessem sede de sangue, a possibilidade de abater alguém que viesse atrapalhá-los não os inibia, como o medo, isso também fazia parte do jogo. A sorte, até então, tinha prevalecido.
O número de passageiros desse coletivo parecia um pouco maior que o anterior. Mesmo assim eles tinham conseguido se posicionar quase que exatamente como no assalto passado. Bendita sorte. Aparentemente tudo se encaminhava para outro êxito iminente.
Então eles anunciaram o assalto.
A amante fixou seu olhar num ponto específico do coletivo em algo que chamou sua atenção.

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CONTINUA

domingo, 27 de março de 2011

MÚSICA PARA SEUS OUVIDOS - PARTE 4

Voltando ao estado natural das coisas, vendo que não tinha o mais o que fazer naquele ônibus, o delinquente deu ordens ao motorista para que parasse imediatamente, pois eles iriam saltar, e tornou a lembrar para que ninguém tentasse nada que resultasse em mortes ou ferimentos. Claro que não houve reações e eles desceram do coletivo sem maiores contratempos, sumindo da vista de todos como num passe de mágica. Os passageiros não tiravam os olhos de Lavínia, como se ainda não tivessem assimilado o que havia acontecido, fora o fato de terem sido saqueados. A menina, por sua vez, ainda sob o efeito daquele fato imprevisível, levantou do banco de uma maneira quese robótica, esticou o braço para cima e puxou a cigarra da condução para poder saltar no ponto a seguir, que para sua sorte já estava bem próximo ao seu destino. Desceu a escada do ônibus, esquecendo de agradecer ao motorista, coisa que ela sempre fazia, e foi sentar num banco à beira da calçada, para tentar voltar ao normal e refletir um pouco sobre o que havia acontecido. A tremedeira que a acometera, assim que ele levantou do banco do ônibus, estava começando a diminuir um pouco. Ela desligou seu aparelho e o botou junto de sua coxa esquerda e ali ficou por um bom tempo. No fundo de sua mente se desenhou uma nova denominação para quela caixa musical. Talismã. Meia hora depois ela retomou o caminho para o centro da cidade, já não tão longe assim. Poderia completá-lo a pé. Uma leve brisa bateu em seus cabelos, fazendo com que uma mecha encobrisse por alguns segundos o lado direito do seu rosto, afastando-a de modo suave, ela se sentiu um pouco mais revigorada e calma, seguindo, então, decididamente para completar o restante do percurso. ******************** CONTINUA

domingo, 20 de março de 2011

MÚSICA PARA SEUS OUVIDOS - PARTE 3

Ao terminar o "serviço" de recolhimento de dinheiro e objetos, o bandido foi em direção à Lavínia. Sob o olhar confuso e desconfiado de sua companheira de trabalho, ele sentou ao lado da adolescente e fez com que ela voltasse ao mundo real e cruel com um toque de mão no seu ombro direito. Lavínia teve um choque ao ver aquele sujeito ao seu lado, com uma arma atravessada na cintura, lhe pedindo seus fones. Claro que ela pensou que o sujeito ia lhe arrebatar o aparelho, pois estava na cara que se tratava de um assalto, mas ao retirar os fones dos ouvidos e, assim, ouvir a voz do bandido lhe fazendo o pedido, notou certa ênfase na palavra "emprestar", e ficou mais abismada ainda com a declaração do inesperado assaltante. Ele lhe disse que enquanto passava pelo corredor do ônibus, ouvira a música que saía do seu aparelho e, daí, não quisera interromper, e completou isso dizendo que ela também possuía um tremendo gosto musical, e, só por causa disso ia liberá-la daquele assalto. Só queria ouvir, por alguns instantes, aquela música gloriosa para atenuar um pouco seu ofício tão imprevísivel e perigoso.
Lavínia ouviu tudo isso com uma expressão entre o espanto e a sensação muito terrível de que aquilo poderia ser uma espécie de brincadeira com resultados muito tenebrosos. Mas não tinha alternativa e entregou o aparelho nas mãos do bandido, que o recebeu com um júbilo tal, que, se fosse em uma outra situação, Lavínia ,certamente, também ficaria exultante, só que ela estava tensa e extremamante ansiosa diante daquela situação totalmente inusitada.
O sujeito acabou de ouvir o restante da música, elogiou o cantor e a sua obra e logo a seguir devolveu o aparelho e seus respectivos fones para uma espantada Lavínia, que o recebeu de volta com as mãos trêmulas e olhar arregalado. Jamais poderia imaginar que um assaltante poderia ter aquele tipo de comportamento. Em sua opinião o cara devia ter vinte e dois ou, no máximo, vinte e quatro anos. O aparelho quase cai de sua mão no momento em que o dito cujo o devolve.

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CONTINUA

domingo, 13 de março de 2011

MÚSICA PARA SEUS OUVIDOS - PARTE 2

A mulher se levantou de um dos bancos à frente de Lavínia e os outros dois vieram detrás. Ou melhor, um veio, o outro ficou dando cobertura para que o comparsa fizesse a "limpeza" nos passageiros. Embora fosse incumbido dessa tarefa o sujeito parecia ser o líder do trio, pois ao mesmo tempo em que recolhia os pertences das pessoas no ônibus, ele ditava ordens para os parceiros entre palavras e gestos. Para a mulher ele mandou que ficasse de olho no motorista e, ao mesmo tempo, vigiasse o restante do coletivo, e para o assaltante da parte traseira, com um gesto do olhar, determinou que "cuidasse" do cobrador. O meliante, que certamente já conhecia aquelas determinações, não perdeu tempo e se dirigiu ao assustado funcionário, um jovem, entre vinte e dois ou vinte e quatro anos, que trabalhava há um ano e meio naquela linha e que acabava de estrear como cobrador assaltado, daí o seu pavor genuíno ao encarar o círculo do cano de um impiedoso revóver calibre trinta e oito, o famoso tresoitão.
As instruções do assalto tinham sido dadas pela mulher. Ela se dirigiu aos passageiros de modo muito calmo e com voz muito firme, mas muito feminina, deixou todos a par do infame evento que se realizaria a seguir. Disse que ficassem todos calmos, que não fizessem nada que colocasse suas vidas em perigo, porque eles só queriam seus pertences, nada mais do que isso, sendo assim, se não houvesse nada que atrapalhasse o andamento do serviço, todos sairiam felizes, sem ferimentos ou coisas piores. Ela portava, também, um "tresoitão", e parecia ter muita intimidade com a máquina. Seu rosto denunciava uma idade duvidosa, poderia ter vinte e cinco anos, como também poderia ter vinte. Aquela vida errante já provocava marcas em seu semblante.
Foi só aí que o líder começou o saque. Mais tarde se ficaria sabendo que os dois eram amantes.
Então algo insólito aconteceu.
O bandido que se encarregou de saquear os indefesos passageiros, passou sem incomodar Lavínia, que continuava alheia ao que acontecia ao seu redor. Ela, com o rádio a todo volume, olhava para fora do ônibus através da janela, na verdade quase que cochilava, sendo assim não notara nada que acontecera até então. No seu banco só ela se encontrava, e agora, a voz de Djavan dominava seu universo atual.
Mas ela foi tirada bruscamente daquele torpor.

domingo, 6 de março de 2011

MÚSICA PARA SEUS OUVIDOS - PARTE 1

MÚSICA PARA SEUS OUVIDOS
A blusa com o logotipo da escola, onde fazia o supletivo, era suficiente para que ela entrasse pela porta da frente do ônibus, pelo menos tinha sido assim até o momento, e Lavínia tinha certeza quase absoluta que continuaria sendo, nem que fosse só aquela vez. Portanto ela instalou os fones de seu indefectível rádio de pilha, feitos especialmente para quele tipo de uso, nos ouvidos, e aguardou a chegada do coletivo que a levaria ao centro da cidade. A distância do seu bairro até o centro do Rio de Janeiro constituía de tempo suficiente para que ela pudesse curtir uma boa quantidade de músicas, não só pelo preenchimento do tempo, mas, acima de tudo, pelo seu prazer pessoal. Música para ela tinha a mesma importância que a própria respiração.
O que tornava o fato curioso, ou, na visão de alguns, improvável, era seu gosto musical. Ela sintonizava seu dial sempre numa emissora comumente ouvida, geralmente, por pessoas maduras, pessoas que achavam que aquela fase inconsequente da adolescência já estava a léguas de distância, e que aquele gosto por "músicas" mais sérias se instala quase naturalmente. Locutores com vozes impostadas e austeras dão o tom da nova postura. Ser contido musicalmente se torna, então, um quesito muito importante nessa nova etapa.
No que dizia respeito a Lavínia, tudo isso não passava de conversa fiada. Ela simplesmenente gostava desse tipo de música e ponto final. E é bom dizer também que ela não fora influenciada por ninguém, nem por amigos ou amigas, irmãos, pais, etc. Na verdade alguns de seus amigos estranhavam seu gosto, mas respeitavam, mesmo porque Lavínia tinha personalidade independente e voluntariosa, mas nem por isso arrogante, muito pelo contrário, seu senso de voluntariado encobria e iluminava sua espontaneidade às vezes explosiva.
O ônibus finalmente surgiu entre os outros que circulavam no mesmo bairro.
Não foi diferente. Lavínia fez sinal e o motorista abriu a porta traseira sem maiores problemas e ainda, com um sorisso no rosto, permitiu que ela entrasse.
Não se fazendo de rogada, ela prontamente adentrou no veículo, devolvendo o sorriso em maior intensidade para o condutor, pois sabia que manter o bom humor naquela função era tão importante quanto difícil, ainda mais sabendo que viajaria de graça até seu destino.
Na vivacidade e na, até certo ponto, inocência dos seus dezessete anos, se acomodou do melhor modo possível em um dos bancos na metade do ônibus,e, alegria das alegrias, no canto, com direito a janela e vento batendo no rosto, brincando com seus cabelos lisos e castanhos com algumas manchas aloiradas. Em sua opinião, um prazer indescritível.
Lembrando da distância, ela se se deixou levar pela música, que no momento se tratava de um sucesso de Milton Nascimento, Caçador de Mim, e esqueceu-se do tempo e do mundo ao seu redor.
O volume do aparelho de Lavínia estava um pouco acima do normal, o que chamava a atenção de alguns passageiros mais próximos a ela, no entanto eles não pareciam se incomodar, talvez por se tratar da música agradável, ou até mesmo pelo perfil suave e distante da menina, dona do respectivo aparelho sonoro. Bem sonoro, por sinal.
Mas lá pelo meio da viagem a paz foi quebrada.
Três personagens indesejáveis surgiram para mudar a rotina daquela viagem. Três assaltantes.
Uma mulher e dois homens.

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CONTINUA

domingo, 20 de fevereiro de 2011

UM SOPRO DE ADOLESCÊNCIA - CONCLUSÃO

- Ela tinha um ciúme enorme da sua criação, o Tom Ripley. De todas as adaptações feitas para o cinema, desse personagem, o que mais agradou a ela, com restrições, foi aquele em que Alain Delon protagonizou, como mencionado a pouco por mim. De acordo com ela, o herói ou anti-herói, de seu romance, era totalmente amoral, não seguia regras e sempre se dava bem no final, o cinema quis dar uma aura de moralidade ao dito personagem, contrariando totalmente o espírito imposto por ela ao concebê-lo. Eu li numa reportagem, certa ocasião, que a infância dela foi muito conturbada, com problemas com a mãe, e, mais tarde, com seu pai, então ela passou para o papel, através de seus personagens, todo esse drama interior, numa tentativa de exorcizar os fantasmas do passado.
- Caramba! Você tá ligado no lance totalmente, hein, parceiro! - Indagou o moreno admirado com a quantidade de informações que o outro despejou de uma vez só.
- Ora, eu costumo ler as resenhas dos filmes, e se for o caso, dos autores em que são baseados os roteiros - respondeu, cheio de orgulho.
- Ah! Mas você ainda não disse o nome da autora - disse em tom de desafio, o seu amigo.
- Hum! É verdade. Então preste atenção na pronúncia, certo ?
- Manda lá.
- Patrícia Highsmith - revelou, cheio de autoridade, o ruivo.
- "Demorô" - retribuiu o moreno com essa gíria, usando um certo ar de galhofa.
Nesse instante se ouviu uma estática no alto-falante da estação, e logo a seguir uma voz feminina, com certa gentileza, anunciando a chegada do trem. dizendo que ele estava saindo de Presidente Juscelino, e dentro de instantes adentraria naquela plataforma. Confesso que fiquei um pouco frustrado, embora quisesse chegar logo em casa,pois estava gostando do estilo de conversa dos dois garotos. Acho que se eu ficasse mais meia hora, pelo menos, sairia dali com informações ainda mais interessantes. Mas o que fazer, né? A vida segue seu rumo.
Nisso, o trem surgiu no cenário, na curva, prestes a ficar à nossa disposição com seus vários vagões.
Eu me levantei para ficar a postos.
E foi então que eu vi a cena que quebrou todo o encanto de momentos atrás.
O garoto ruivo acabou de comer o sanduíche, e a seguir entornou o resto do refrigerante da latinha, e fez o inconcebível. Amassou o guardanapo, jogando-o aos seus pés, o mesmo destino ele deu para o recipiente de lata, só que com o agravante de amassá-lo sob seus pés, tudo de uma forma o mais indiferente possível. Vale a pena lembrar que a alguns passos dele havia uma cesta de lixo, fixa numa das pilastras da plataforma. O garoto nem tomou conhecimento, ou simplesmente ignorou-a. Estava tudo indo tão bem. Que pena!
O trem encostou- se à plataforma, abriu suas portas, entramos, eu e eles.
O moreno ficou em Morro Agudo. O ruivo prosseguiu. Talvez tenha ficado em Queimados, ou em qualquer umas das próximas, claro. Eu fiquei em Austin, que é antes de Queimados.
Nada é perfeito. Mas oque fazer, né? A vida segue seu rumo.
Eu já falei isso, alguns instantes atrás.
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UM SOPRO DE ADOLESCÊNCIA - PARTE 4

- É mesmo, uma ideia própria de um diretor como esse Tarantino. Falando desse filme, eu lembrei de uma coisa engraçada .Eu emprestei esse disco de DVD para um amigo meu, depois ele devolveu dizendo que não havia gostado da história e ao ler a sinopse do filme no verso da embalagem, não conseguiu encontrar o nome da loja que alugava cães, a princípio eu pensei que fosse sacanagem dele, mas não era, ele estava falando sério, só depois de assistir ao filme foi que entendeu que não tinha nada a ver. Sacou o " lance"? O cara " viajou". Achou que a história girava em torno de uma loja que alugava animais. Totalmente pirado, tá ligado?
O ruivo já estava quase no final do seu sanduíche, na próxima mordida com certeza acabaria com o dito cujo. Só não havia acabado ainda por causa das pausas que fazia a cada comentário ou pergunta que dirigia ao amigo.
- Já vi que esse seu amigo "saca" muito de filmes. Mas sabe um outro filme que eu estou a fim de ver e que já está a algumas semanas em cartaz? É o Retorno do Talentoso Ripley. Tô curioso pra saber como eles desenvolveram o personagem dessa vez. Assisti a última versão que fizeram no cinema, que no caso é O Talentoso Ripley, e confesso que não gostei muito não. Eu li o livro, que por aqui foi publicado com o nome de O Sol Por Testemunha, e me amarrei. História originalíssima. Um thriller policial do mais alto estilo. Um achado. Na verdade a primeira versão foi lançada aqui no Brasil com esse título também, e dizem os críticos, foi a que chegou mais perto do personagem do livro, segundo a própria autora.
- Você chegou a ver essa versão? - Perguntou o moreno, com genuíno interesse, segundo sua fisionomia.
- Não! - respondeu o gordinho ruivo, limpando com o dedo indicador os cantos da boca, pronto pra dar cabo do último pedaço do sanduíche - Mas pretendo ver se consigo numa locadora o DVD, assim como também a do Amigo Americano, que é uma segunda aventura do personagem, cuja refilmagem está em cartaz com o título que eu citei no início. Sabe uma curiosidade sobre essa autora?
O moreno estava atento.
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CONTINUA

UM SOPRO DE ADOLESCÊNCIA - PARTE 3

- Bem lembrado, parceiro, e você há de concordar comigo, analisando agora o que ele fala pela nossa nova ótica, é tudo um amontoado de asneiras, não é verdade? Eu acho que nem as crianças atuais estão aceitando aquelas bobeiras todas, tá ligado? - o ruivo estava bem inspirado.
O moreno respondeu:
- Ligadissimo, parceiro! A parada é "sinistra", nós não somos mais crianças, estamos em processo de transição, esse é o lance, captou?
- Falou tudo. Mas deixando um pouco esse papo de lado e pegando o "gancho" da música, a "parada" é a seguinte, ontem mudando de canal, eu vi um comercial de um CD do Kenny G, "sinistro" cara, aí, tô querendo comprar esse CD, o que é você acha? "Saca" Kenny G?
- Acho "maneiro", aí, Kenny G é pedida "maneira". O cara é muito bom de sax, arrebenta geral. Eu li uma reportagem, certa vez, sobre ele numa revista, dizendo que numa cerimônia de entrega de prêmios, ele, depois de receber o seu prêmio, começou a se exibir para a platéia, que até chegou a encher o saco. Diz a reportagem que ele exagerou na exibição e o pessoal começou a achá-lo um tremendo de um chato, pois seu sax atigia notas irritantes. Mas isso foi só uma exibição de momento, nada que comprometesse seu trabalho como um todo.
- Interessante isso que você contou, bastante interessante. Todos nós temos essa necessidade de exibição, extravasar o que vai dentro da gente no momento, seja numa exibição musical ou num desabafo espontâneo que não conseguimos segurar, mesmo que esse desabafo seja de alegria ou raiva, não importa. Mas voltando ao Kenny G, aquela música dele que tem o nome de Songbird, aquilo é uma "viagem", fala a verdade, não é mesmo?
Seu sanduíche já estava a menos da metade, na verdade era para ter chegado ao fim, mas quando ele se estendia numa resposta ou pergunta mais longa, esquecia durante algum tempo seu acepipe.
- Bem lembrado - o moreno respondeu com entusiasmo - Muito bem lembrado, é uma viagem de primeira classe. Aquela outra, daquele filme com a Júlia Roberts, tá lembrado? Passou a semana retrasada na sessão da tarde, eu não gravei o nome, ou melhor, eu não sei dizer o nome, preciso me dedicar de corpo e alma a esse curso de inglês, pode levar fé, parceiro.
- Eu sei qual é, parceiro - disse o ruivo gordinho com ar professoral - Diyng Young, é esse o nome - Numa prónuncia perfeita - na verdade ele estourou mais por aqui, depois desse sucesso. O que essa música tocou nas rádios foi uma coisa "sinistra". O cara se fez, pode anotar aí. Eu tô a fim de comprar esse CD de coletânea dele, o problema vai ser conseguir a grana. Conseguir esse dinheiro do meu pai vai ser uma empreitada difìcil, tá ligado?
- Sem dúvida, brother, sem dúvida. Talvez sua mãe seja um recurso mais viável, não é não? Mãe sempre dá um jeito, sacou?
- Pode ser, pode ser. Vou ver quando chegar em casa.
- Ih, rapaz! Sabe que filme vai entrar em cartaz na semana que vem? Eu li no jornal a respeito, o novo filme do Quentin Tarantino. O nome é meio estranho, Kill Bill, eu acho. É sobre uma noiva que quer se vingar de um bandidão, doideira total, pode crer, vai ser o "bicho, os filmes desse cara são "sinistros", tá ligado?
- Bem lembrado, cara. O sujeito é o "bicho". Eu peguei três fitas dele o mês pasado, desde aquele dia que você me falou daquele que ele dirigiu, que no caso foi o segundo dele, no qual até o John Travolta trabalha: Tempo de Violência, tá lembrado?
- Claro! O filme é loucura total. Inclusive a carreira do John Travolta foi ressuscitada depois desse filme, tá ligado?
- É verdade. O sujeito disparou depois disso, fez filme atrás de filme. Uma coisa que eu achei interessante no primeiro filme do Tarantino, o Cães de Aluguel, foi aquela discussão da quadrilha naquele restaurante, antes do assalto à joalheria, sobre as músicas da Madonna, uma coisa totalmente atípica para pessoas prontas a efetuar um assalto. Eu achei totalmente original, uma viagem, pode crer.

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CONTINUA

sábado, 19 de fevereiro de 2011

UM SOPRO DE ADOLESCÊNCIA - PARTE 2

O ruivo traz na mão direita uma espécie de sanduíche envolto num saquinho de papel fino, e, na mão esquerda uma latinha de refrigerante. O lanche parece significar, no momento, a razão de sua existência, tal a atenção que ele dá ao seu precioso tesouro comestível. O moreno, por sua vez, carrega na mão direita, um caderno e um livro, que depois eu identificaria como um livro de inglês.
A dupla vinha entabulando uma conversa desde o local onde eu os localizara, conversa essa que não foi interrompida quando sentaram ao meu lado no famoso banco, a não ser quando o gordinho tinha de morder famigeradamente o sanduíche e, a seguir, dar uma bebericada em seu refrigerante. A princípio constato que o papo "rola"a respeito do curso de inglês.
É o ruivo quem está com a palavra, depois de um dos intervalos de sua mastigação. O moreno escuta com todo interesse, e isso me dá a impressão de certa ansiedade por parte do gordinho.
- Nós vamos ter de levar muito à sério esse curso de inglês, tá ligado, parceiro? Senão nossos planos de traduzir algumas músicas que a gente gosta irão por água abaixo. Tá ligado?
o moreno estava 'ligado", pois respondeu:
- É isso aí, parceiro, muito bem colocado o problema. Vamos ter de fazer jus ao dinheiro que nosso pais estão gastando. Os coroas vão ficar na nossa "cola".
-Claro que o objetivo não é só traduzir as músicas, a coisa vai bem além disso, mas a possibilidade de saber o que a gente escuta é bem legal, não é mesmo?
- Sem dúvida, brother, sem dúvida. Vai ser um lance e tanto.
De repente o tema da conversa muda.
- Ontem eu estava assistindo ao programa daquela garota loira, aí cara, achei a maior bobeira. Há quatro anos atrás eu acharia o maior barato, mas ontem achei que não tem nada a ver, tá ligado, parceiro?
- Tõ entendendo - respondeu o moreno - Eu também já senti isso. A "parada" é o seguinte: Eu acho que é um "lance" de idade. Há uns três ou quatro anos atrás, nós aceitavámos tudo como vinha, agora estamos mais seletivos, tá sacando? É tudo uma questão de idade, tá ligado?
- É isso aí, brother! A coisa se resume exatamente nisso aí, estamos mais velhos, o tempo passou e nos tornou mais sábios, pode crer! Como diz aquele antigo sucesso musical daquele cara que morreu de aids: O tempo não para!
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CONTINUA

domingo, 30 de janeiro de 2011

UM SOPRO DE ADOLESCÊNCIA - PARTE 1

UM SOPRO DE ADOLESCÊNCIA
Sento-me num dos bancos da plataforma de subida dos trens na estação ferroviária de Nova Iguaçu, numa manhã cinzenta de segunda-feira, torcendo para que a composição não demore muito; não porque eu esteja com tanta pressa assim, mas se sentir dentro da condução em movimento, sabendo que em breve estarei em casa, é melhor e bem mais reconfortante do que a angústia da espera, sem a esperança tranquilizadora da chegada.
A plataforma encontrá-se com pouca gente àquela hora do dia, exatamente às dez horas e trinta e dois minutos, constato olhando de modo estratégico para meu relógio de marca humilde, ganho no último aniversário. O movimento é compreensível, afinal não é hora do rush e as pessoas, atualmente, têm se dividido muito entre os trens e os ônibus, pois os preços das passagens se equiparam, criando assim opções justas de locomoção.
No banco onde estou ainda me encontro solitário, sem o menor sinal de trem no horizonte e achando que, quando menos esperasse, a voz do alto-falante anunciaria onde ele se encontrava no momento e que, dentro de instantes, o mesmo estaria dando entrada naquela plataforma.
Foi então que vi dois garotos vindo na direção onde me encontrava. Dois pré-adolescentes. Um ruivo, baixo, meio gorducho, e o outro, moreno, magro, e com ar meio enfadonho.
Os dois sentaram exatamente no banco em que eu estava, que era duplo, um virado pra outra plataforma, no caso a de descida, e o outro para a rua na qual passavam ônibus e demais veículos.

CONTINUA.
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domingo, 23 de janeiro de 2011

VEM BRINCAR COMIGO - FINAL

- Não fique com medo. Eu só quero brincar com você. Minha mãe falou que você estava aqui na sala. Eu fiquei muito contente.
A garota estava apavorada. Seus olhos estavam arregalados.
Eu gosto muito de brincar de canivete. Olha só como eu faço.
E ele começou a manipular o canivete com a mão livre. A lâmina sumia e reaparecia. Isso parecia que o fascinava.
- Você quer tentar um pouco? - ele relaxou um pouco a pressão sobre sua boca . Ela lhe deu um empurrão e levantou-se, correndo para a porta. Mas foi inútil. Não conseguiu destrancá-la.
- Que bom! Você quer brincar de pega-pega. Eu gosto muito disso.
- Afaste-se de mim, seu maluco. Eu vou começar a gritar - sua voz não tinha a mínima segurança, mas o sujeito pareceu se apavorar.
-Não! não! Gritar não, eu fico com medo.
E com isso, ele começou a ficar descontrolado. Dominou ela , tapando-lhe a boca, e num ato contínuo, enterrou a lâmina em seu peito. Ela quase conseguiu gritar, mas de sua boca saiu apenas um arremedo de súplica. Seu corpo foi ficando mole nas mãos do sujeito. Ele a deitou no chão e gritou pela sua mãe.
A mulher reapareceu no cômodo e viu o que tinha acontecido. Falou em tom de repreensão para o filho:
- Mas já fez besteira, Argemiro? Não demorou quase nada para despachar essa também? Assim fica difícil. Temos que nos livrar dela logo. E vê se não me enche o saco, pelo menos por hoje, para arrumar alguém pra você brincar. Vai ficar sem café com leite durante um mês pra aprender a tomar juízo. vai ter de se virar, sem ninguém pra brincar , tá ouvindo? E agora me dá o canivete
, antes que eu te dê uma surra e talvez te cure de uma vez por todas. Antes de sumir pro seu quarto, traga o corpo de sua ex-amiguinha e coloque-a naquele compartimento junto com as outras quatro anteriores, depois eu dou um jeito de nos livrarmos delas de vez, por enquanto vamos fazer apenas isso. Pelo menos para alguma coisa você serve , meu grande garoto.
- Tá bom, mamãe - respondeu o grandalhão, fazendo aquele trejeito de criança dengosa.

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Enquanto isso, numa rua ao lado, Alba Maria fechava mais uma venda.
- Muito obrigada! A senhora não vai se arrepender. Qualquer coisa, tem meu telefone. Qualquer dúvida é só dar um toque. Eu vou estar sempre à disposição.
A senhora a olhou com um ar de muita simpatia e agradecimento.
Alba se dirigiu a uma próxima casa e apertou a campainha.

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Enquanto isso na casa fatal.
- Não é nem preciso verificar pra saber como ela está , pois pela sua expressão você a acertou num ponto fatal. Estou certa?
- é isso aí, mamãe. Errei o cálculo e o alvo novamente. Prometo que na próxima vai ser diferente. Tá bom, mamãe, tá bom? - sua ansiedade na voz era quase palpável.
- Se houver uma próxima vez. Vamos, no momento temos que tirar a moça da sala, coitada.
- Tá legal. Será que hoje posso ficar vendo televisão até tarde? Tem um filme legal que eu quero ver.
Vou pensar no seu caso - respondeu a mãe, fazendo pouco caso do pedido- Vamos lá, pegue o corpo.
O brutamontes ergueu o corpo da moça como se fosse de isopor, jogou-o por sobre o ombro direito s saiu na frente de sua mãe em direção à porta dos fundos. Atrás dele, a senhora o olhava e balançava a cabeça, como se quisesse dizer: Ai, ai! Esse aí não toma jeito mesmo. Quando será que ele vai crescer?

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VEM BRINCAR COMIGO - PARTE 4

A moça entrou no recinto. Quando ia se identificar, a mulher a interrompeu:
- Espere um instante. Você deve estar com sede. Está um calor tremendo lá fora. Fique a vontade, eu vou buscar algo pra você beber. Só um instante. Pode por essa sua pasta em cima da mesa de centro. Ok?
A moça não percebeu, mas a mulher havia trancado porta. Fez isso do modo mais discreto possível.
Alguns minutos se passaram. A moça sentia que alguma coisa estava estranha no ambiente. Tentou relaxar e se sentou no sofá. Foi quando ouviu um ruído e levantou a cabeça. Em pé a alguns metros dela estava um sujeito de macacão jeans, de aparência madura, mas com gestual de criança. Ela levou um susto. Ele perguntou com a voz também de criança:
- Oi! Você que veio brincar comigo? Que legal! Nós vamos nos divertir muito.
E avançou na direção dela.
A moça arregalou os olhos, sem fala, espantada com a situação.
O sujeito continuava vindo em sua direção. Ela se levantou e caminhou em direção a porta. Foi quando percebeu que estava trancada. Um friozinho percorreu sua espinha.
O sujeito empunhava um canivete. Ela ia gritar, mas ele tapou sua boca e a levou pro sofá.
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sábado, 22 de janeiro de 2011

VEM BRINCAR COMIGO - PARTE 3

A mulher foi até a porta para atender à campainha. Fez um sinal ao filho para que fosse pro quarto dele.
- Me espere lá ! Qualquer coisa eu te chamo.
O sujeito com trejeitos de criança obedeceu.
A mãe dele abriu a porta da sala e caminhou até o portão, onde vislumbrou a silhueta de uma figura feminina. Ao abrir o portão ficou satisfeita com que viu. Estava diante de uma bonita estampa de uma jovem alegre e ansiosa.
A mulher deu um sorriso malicioso. Fez um convite para que a moça entrasse. A moça obedeceu.
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domingo, 16 de janeiro de 2011

VEM BRINCAR COMIGO - PARTE 2

Suas pernas já estavam doendo depois de quase um dia percorrendo ruas e casas em busca de clientes, mas ela ainda pretendia visitar, pelo menos, mais uma ou duas casas, antes de encerrar sua jornada de trabalho. O bom de trabalhar por conta própria era isso, poder fazer o próprio horário, sem ninguém para cobrar e monitorar possíveis atrasos e determinar locais e pessoas que deveriam ser visitadas. Alba resolvera ser representante de uma firma de produtos de beleza prevendo, ou tentando prever, todos os problemas que isso encerrava, como não ser bem recebida em algumas casas, ter de correr atrás de possíveis e certos maus pagadores, controlar isso do melhor modo, pois senão teria de arcar com os prejuízos, e o desgaste físico, afinal, por mais nova que fosse, perambular para lá e para cá, grande parte do dia, se tornava, no final das contas, algo extremamente torturante para o corpo, isso levando em conta que ela se dedicava à tarefa de forma implacável. Mas tinha de reconhecer que a coisa estava dando resultados positivos. Com o lucro que estava tendo, conseguia ajudar nas despesas de casa e ainda juntava um dinheirinho para o enxoval do casamento que se realizaria dentro de no máximo um ano, caso não houvesse qualquer imprevisto. Seu noivo, um corretor imobiliário em plena ascensão, falara com ela que estava ansioso para que esse dia chegasse logo, por ele casariam na semana seguinte, mas Alba lhe pedira que deixasse a ideia amadurecer de maneira espontânea, sem pressões que no futuro os levassem ao arrependimento. Ela sabia que seu noivo era uma pessoa de uma compreensão e generosidade sem igual, o cara perfeito com quem sempre sonhara encontrar. No momento tudo estava indo a contento. Aquele trabalho informal durante o dia e a faculdade de administração à noite. Tudo perfeito. Seu pai e sua mãe estavam muito contentes com ela, pois só arcavam, agora, com a despesa da instituição, no caso, para ser mais exato, seu pai é quem arcava, sua mãe só aplaudia.

Aos vinte e um anos, Alba Maria Vasconcelos se achava uma garota madura e responsável, pronta para os desafios que a vida certamente lhe apresentaria no decorrer de sua jovem existência.

A casa que ela resolveu visitar a seguir ficava no final da rua em que se encontrava, quase isolada das outras, possuía um muro alto, com portão de ferro que não deixava ver quase nada no seu interior, ao lado do mesmo, um pouco acima , mas o suficiente para ser alcançada, havia uma campainha, que Alba deu graças a Deus por existir, porque, em algumas casas não havia tal objeto, obrigando-a a bater palmas, tarefa que ela achava deveras desagradável. Então, sendo assim, levantou a mão e pressionou o aparelho, esperando que alguém respondesse ao chamado. Deu uns segundos de prazo, tornou a apertar, dando o mesmo espaço de tempo, já ia repetir o gesto, quando o portão se abriu e surgiu uma mulher que talvez tivesse uns sessenta e poucos anos, como Alba quis deduzir.

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Continua.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

VEM BRINCAR COMIGO - PARTE UM

VEM BRINCAR COMIGO
- Deixe de lado esse canivete um pouco e venha para a mesa lanchar, Argemiro.
- Tá bom, mãe! - respondeu um sujeito alto, aparentando uns trinta e poucos anos, mas com voz e trejeitos de um garoto de nove ou dez, ao mesmo tempo que enfiava um canivete automático em um dos bolsos do macacão jeans que estava trajando.
Sentando numa das cadeiras ao redor da mesa que continha café numa garrafa térmica estampada com personagens de revistas infantis, leite em pó, torradas e geléia, Argemiro, o sujeito de macacão, se dirigiu à mãe com uma voz hesitante.
- Mãe! - exclamou.
- Que foi, Argemiro? - a voz de sua mãe saiu com um falso rigor.
- Quando é que vou ter outra amiguinha pra brincar comigo?
- Não sei! - Desta vez a voz dela saiu realmente com uma certa agressividade - Você não sabe brincar. Vamos esperar para ver se aparece alguém. Caso isso não aconteça, pode ser que eu saia em campo e acabe encontrando uma amiguinha pra brincar contigo, e torcer para ela não ser muito medrosa. Mas você vai ter de aprender a se comportar e brincar direito com ela, senão vou acabar cansando dos seus excessos. Por enquanto vamos lanchar.
- Tá bom, mãe! - o sujeito pareceu sossegar , apalpando o canivete em seu bolso, com um ar de cachorro abandonado.

A tarde estava avançando. O relógio na parede marcava quatro e meia de um céu cinzento e clima frio.

Nesse instante a campainha soou, enchendo o ambiente com seu som desagradável.

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Continua

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

CONTO.

NO PRÓXIMO POST EU VOU COMEÇAR UM CONTO. PRETENDO ESCREVÊ-LO EM PARTES, PRA NÃO CANSAR O LEITOR E CRIAR UM SUSPENSE.
AGUARDEM!!

domingo, 9 de janeiro de 2011

PARADEIROS

PARADEIRO DE ALGUNS PERSONAGENS DE ANTIGAS MARCHINHAS DE CARNAVAL.

ZEZÉ: "Olha a cabeleira do Zezé. Será que ele é, será que ele é?"
Ele era. Por conta disso arrumou um namorado firme, depois de vários namoradinhos, foram morar juntos, e depois de um longo convívio adotaram um garoto que tratam como filho. Segundo dizem, vivem felizes até hoje,

A JARDINEIRA : "Ô Jardineira por que tá tão triste. Mas o que foi que te aconteceu? Foi a Camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu."
A Jardineira jamais se recuperou do trauma com a morte da Camélia. Foi internada numa clínica de recuperação, mas, segundo dizem, nunca voltou ao normal.

O CASAL DA MARCHINHA: "Mas esse ano não vai ser igual àquele que passou. Eu não brinquei, você também não brincou. Aquela fantasia que eu comprei ficou guardada, e a sua também ficou pendurada. Mas esse ano, tá combinado. Nós vamos brincar separados."
Eles realmente brincaram separados. Ele acabou arrumando um namorado e a largou. Ela arrumou uma namorada e também o abandonou. Segundo dizem vivem muitos felizes com seus respectivos pares.