domingo, 20 de fevereiro de 2011

UM SOPRO DE ADOLESCÊNCIA - CONCLUSÃO

- Ela tinha um ciúme enorme da sua criação, o Tom Ripley. De todas as adaptações feitas para o cinema, desse personagem, o que mais agradou a ela, com restrições, foi aquele em que Alain Delon protagonizou, como mencionado a pouco por mim. De acordo com ela, o herói ou anti-herói, de seu romance, era totalmente amoral, não seguia regras e sempre se dava bem no final, o cinema quis dar uma aura de moralidade ao dito personagem, contrariando totalmente o espírito imposto por ela ao concebê-lo. Eu li numa reportagem, certa ocasião, que a infância dela foi muito conturbada, com problemas com a mãe, e, mais tarde, com seu pai, então ela passou para o papel, através de seus personagens, todo esse drama interior, numa tentativa de exorcizar os fantasmas do passado.
- Caramba! Você tá ligado no lance totalmente, hein, parceiro! - Indagou o moreno admirado com a quantidade de informações que o outro despejou de uma vez só.
- Ora, eu costumo ler as resenhas dos filmes, e se for o caso, dos autores em que são baseados os roteiros - respondeu, cheio de orgulho.
- Ah! Mas você ainda não disse o nome da autora - disse em tom de desafio, o seu amigo.
- Hum! É verdade. Então preste atenção na pronúncia, certo ?
- Manda lá.
- Patrícia Highsmith - revelou, cheio de autoridade, o ruivo.
- "Demorô" - retribuiu o moreno com essa gíria, usando um certo ar de galhofa.
Nesse instante se ouviu uma estática no alto-falante da estação, e logo a seguir uma voz feminina, com certa gentileza, anunciando a chegada do trem. dizendo que ele estava saindo de Presidente Juscelino, e dentro de instantes adentraria naquela plataforma. Confesso que fiquei um pouco frustrado, embora quisesse chegar logo em casa,pois estava gostando do estilo de conversa dos dois garotos. Acho que se eu ficasse mais meia hora, pelo menos, sairia dali com informações ainda mais interessantes. Mas o que fazer, né? A vida segue seu rumo.
Nisso, o trem surgiu no cenário, na curva, prestes a ficar à nossa disposição com seus vários vagões.
Eu me levantei para ficar a postos.
E foi então que eu vi a cena que quebrou todo o encanto de momentos atrás.
O garoto ruivo acabou de comer o sanduíche, e a seguir entornou o resto do refrigerante da latinha, e fez o inconcebível. Amassou o guardanapo, jogando-o aos seus pés, o mesmo destino ele deu para o recipiente de lata, só que com o agravante de amassá-lo sob seus pés, tudo de uma forma o mais indiferente possível. Vale a pena lembrar que a alguns passos dele havia uma cesta de lixo, fixa numa das pilastras da plataforma. O garoto nem tomou conhecimento, ou simplesmente ignorou-a. Estava tudo indo tão bem. Que pena!
O trem encostou- se à plataforma, abriu suas portas, entramos, eu e eles.
O moreno ficou em Morro Agudo. O ruivo prosseguiu. Talvez tenha ficado em Queimados, ou em qualquer umas das próximas, claro. Eu fiquei em Austin, que é antes de Queimados.
Nada é perfeito. Mas oque fazer, né? A vida segue seu rumo.
Eu já falei isso, alguns instantes atrás.
*********************

UM SOPRO DE ADOLESCÊNCIA - PARTE 4

- É mesmo, uma ideia própria de um diretor como esse Tarantino. Falando desse filme, eu lembrei de uma coisa engraçada .Eu emprestei esse disco de DVD para um amigo meu, depois ele devolveu dizendo que não havia gostado da história e ao ler a sinopse do filme no verso da embalagem, não conseguiu encontrar o nome da loja que alugava cães, a princípio eu pensei que fosse sacanagem dele, mas não era, ele estava falando sério, só depois de assistir ao filme foi que entendeu que não tinha nada a ver. Sacou o " lance"? O cara " viajou". Achou que a história girava em torno de uma loja que alugava animais. Totalmente pirado, tá ligado?
O ruivo já estava quase no final do seu sanduíche, na próxima mordida com certeza acabaria com o dito cujo. Só não havia acabado ainda por causa das pausas que fazia a cada comentário ou pergunta que dirigia ao amigo.
- Já vi que esse seu amigo "saca" muito de filmes. Mas sabe um outro filme que eu estou a fim de ver e que já está a algumas semanas em cartaz? É o Retorno do Talentoso Ripley. Tô curioso pra saber como eles desenvolveram o personagem dessa vez. Assisti a última versão que fizeram no cinema, que no caso é O Talentoso Ripley, e confesso que não gostei muito não. Eu li o livro, que por aqui foi publicado com o nome de O Sol Por Testemunha, e me amarrei. História originalíssima. Um thriller policial do mais alto estilo. Um achado. Na verdade a primeira versão foi lançada aqui no Brasil com esse título também, e dizem os críticos, foi a que chegou mais perto do personagem do livro, segundo a própria autora.
- Você chegou a ver essa versão? - Perguntou o moreno, com genuíno interesse, segundo sua fisionomia.
- Não! - respondeu o gordinho ruivo, limpando com o dedo indicador os cantos da boca, pronto pra dar cabo do último pedaço do sanduíche - Mas pretendo ver se consigo numa locadora o DVD, assim como também a do Amigo Americano, que é uma segunda aventura do personagem, cuja refilmagem está em cartaz com o título que eu citei no início. Sabe uma curiosidade sobre essa autora?
O moreno estava atento.
******************************
CONTINUA

UM SOPRO DE ADOLESCÊNCIA - PARTE 3

- Bem lembrado, parceiro, e você há de concordar comigo, analisando agora o que ele fala pela nossa nova ótica, é tudo um amontoado de asneiras, não é verdade? Eu acho que nem as crianças atuais estão aceitando aquelas bobeiras todas, tá ligado? - o ruivo estava bem inspirado.
O moreno respondeu:
- Ligadissimo, parceiro! A parada é "sinistra", nós não somos mais crianças, estamos em processo de transição, esse é o lance, captou?
- Falou tudo. Mas deixando um pouco esse papo de lado e pegando o "gancho" da música, a "parada" é a seguinte, ontem mudando de canal, eu vi um comercial de um CD do Kenny G, "sinistro" cara, aí, tô querendo comprar esse CD, o que é você acha? "Saca" Kenny G?
- Acho "maneiro", aí, Kenny G é pedida "maneira". O cara é muito bom de sax, arrebenta geral. Eu li uma reportagem, certa vez, sobre ele numa revista, dizendo que numa cerimônia de entrega de prêmios, ele, depois de receber o seu prêmio, começou a se exibir para a platéia, que até chegou a encher o saco. Diz a reportagem que ele exagerou na exibição e o pessoal começou a achá-lo um tremendo de um chato, pois seu sax atigia notas irritantes. Mas isso foi só uma exibição de momento, nada que comprometesse seu trabalho como um todo.
- Interessante isso que você contou, bastante interessante. Todos nós temos essa necessidade de exibição, extravasar o que vai dentro da gente no momento, seja numa exibição musical ou num desabafo espontâneo que não conseguimos segurar, mesmo que esse desabafo seja de alegria ou raiva, não importa. Mas voltando ao Kenny G, aquela música dele que tem o nome de Songbird, aquilo é uma "viagem", fala a verdade, não é mesmo?
Seu sanduíche já estava a menos da metade, na verdade era para ter chegado ao fim, mas quando ele se estendia numa resposta ou pergunta mais longa, esquecia durante algum tempo seu acepipe.
- Bem lembrado - o moreno respondeu com entusiasmo - Muito bem lembrado, é uma viagem de primeira classe. Aquela outra, daquele filme com a Júlia Roberts, tá lembrado? Passou a semana retrasada na sessão da tarde, eu não gravei o nome, ou melhor, eu não sei dizer o nome, preciso me dedicar de corpo e alma a esse curso de inglês, pode levar fé, parceiro.
- Eu sei qual é, parceiro - disse o ruivo gordinho com ar professoral - Diyng Young, é esse o nome - Numa prónuncia perfeita - na verdade ele estourou mais por aqui, depois desse sucesso. O que essa música tocou nas rádios foi uma coisa "sinistra". O cara se fez, pode anotar aí. Eu tô a fim de comprar esse CD de coletânea dele, o problema vai ser conseguir a grana. Conseguir esse dinheiro do meu pai vai ser uma empreitada difìcil, tá ligado?
- Sem dúvida, brother, sem dúvida. Talvez sua mãe seja um recurso mais viável, não é não? Mãe sempre dá um jeito, sacou?
- Pode ser, pode ser. Vou ver quando chegar em casa.
- Ih, rapaz! Sabe que filme vai entrar em cartaz na semana que vem? Eu li no jornal a respeito, o novo filme do Quentin Tarantino. O nome é meio estranho, Kill Bill, eu acho. É sobre uma noiva que quer se vingar de um bandidão, doideira total, pode crer, vai ser o "bicho, os filmes desse cara são "sinistros", tá ligado?
- Bem lembrado, cara. O sujeito é o "bicho". Eu peguei três fitas dele o mês pasado, desde aquele dia que você me falou daquele que ele dirigiu, que no caso foi o segundo dele, no qual até o John Travolta trabalha: Tempo de Violência, tá lembrado?
- Claro! O filme é loucura total. Inclusive a carreira do John Travolta foi ressuscitada depois desse filme, tá ligado?
- É verdade. O sujeito disparou depois disso, fez filme atrás de filme. Uma coisa que eu achei interessante no primeiro filme do Tarantino, o Cães de Aluguel, foi aquela discussão da quadrilha naquele restaurante, antes do assalto à joalheria, sobre as músicas da Madonna, uma coisa totalmente atípica para pessoas prontas a efetuar um assalto. Eu achei totalmente original, uma viagem, pode crer.

*********************************************************
CONTINUA

sábado, 19 de fevereiro de 2011

UM SOPRO DE ADOLESCÊNCIA - PARTE 2

O ruivo traz na mão direita uma espécie de sanduíche envolto num saquinho de papel fino, e, na mão esquerda uma latinha de refrigerante. O lanche parece significar, no momento, a razão de sua existência, tal a atenção que ele dá ao seu precioso tesouro comestível. O moreno, por sua vez, carrega na mão direita, um caderno e um livro, que depois eu identificaria como um livro de inglês.
A dupla vinha entabulando uma conversa desde o local onde eu os localizara, conversa essa que não foi interrompida quando sentaram ao meu lado no famoso banco, a não ser quando o gordinho tinha de morder famigeradamente o sanduíche e, a seguir, dar uma bebericada em seu refrigerante. A princípio constato que o papo "rola"a respeito do curso de inglês.
É o ruivo quem está com a palavra, depois de um dos intervalos de sua mastigação. O moreno escuta com todo interesse, e isso me dá a impressão de certa ansiedade por parte do gordinho.
- Nós vamos ter de levar muito à sério esse curso de inglês, tá ligado, parceiro? Senão nossos planos de traduzir algumas músicas que a gente gosta irão por água abaixo. Tá ligado?
o moreno estava 'ligado", pois respondeu:
- É isso aí, parceiro, muito bem colocado o problema. Vamos ter de fazer jus ao dinheiro que nosso pais estão gastando. Os coroas vão ficar na nossa "cola".
-Claro que o objetivo não é só traduzir as músicas, a coisa vai bem além disso, mas a possibilidade de saber o que a gente escuta é bem legal, não é mesmo?
- Sem dúvida, brother, sem dúvida. Vai ser um lance e tanto.
De repente o tema da conversa muda.
- Ontem eu estava assistindo ao programa daquela garota loira, aí cara, achei a maior bobeira. Há quatro anos atrás eu acharia o maior barato, mas ontem achei que não tem nada a ver, tá ligado, parceiro?
- Tõ entendendo - respondeu o moreno - Eu também já senti isso. A "parada" é o seguinte: Eu acho que é um "lance" de idade. Há uns três ou quatro anos atrás, nós aceitavámos tudo como vinha, agora estamos mais seletivos, tá sacando? É tudo uma questão de idade, tá ligado?
- É isso aí, brother! A coisa se resume exatamente nisso aí, estamos mais velhos, o tempo passou e nos tornou mais sábios, pode crer! Como diz aquele antigo sucesso musical daquele cara que morreu de aids: O tempo não para!
**************************************
CONTINUA