domingo, 16 de outubro de 2011

MÚSICA PARA SEUS OUVIDOS - CONCLUSÃO

O bandido do fundo do ônibus, vendo que algo estava errado, resolveu tomar uma providência. Como fazia parte do bando desde que este surgira, conhecia as manias e esquisitices de cada um, assim como eles também conheciam as suas. Uma dessas manias ( a deles, no caso) era música. A mulher, uma fã incondicional de rock americano, ou, nem mesmo americano, bastava que fosse rock. O namorado dela, ou chefe do grupo, um fissurado em MPB de qualidade. Quando ela abandonou seu posto, indo para onde se encontrava o garoto de som portátil ligado em boa altura, ele logo deduziu do que se tratava, pois ouvira a música que saía do aparelho. Rock puro. Conhecia o gênero, afinal, lá no esconderijo deles, era só o que ele ouvia. Ele sabia que quando a mulher ouvia certos grupos do gênero, parecia que entrava em transe, a tal música parecia dominá-la totalmente. Não estava sendo diferente naquele momento, e pelo que estava vendo, o chefe tinha dificuldades em trazê-la de volta à cruel realidade. Ele podia fazer alguma coisa, ou melhor, ele tinha de fazer alguma coisa, antes que tudo fosse para o ralo.
Então ele fez.
Antes que o cobrador pudesse se dar conta do que estava acontecendo, sentiu uma pancada na cabeça, que o deixou quase desmaiado, logo a seguir, seu corpo foi violentamente tirado do banco e jogado na escada do ônibus, ficando lá sem nenhuma possibilidade de reação.
O bandido que lhe havia acertado a cabeça com a coronha do revólver e jogado seu corpo ao pé da porta traseira do ônibus, estava sentado na pequena mesa que ele usava para guardar o dinheiro com que controlava o acesso dos passageiros, dando troco, se necessário. e que continha, também, alguns vales-trasporte. A mão direita do bandido empunhava o revólver, que mirava em alguém em alguma parte do ônibus, e ele já parecia ter essa pessoa sob a mira, pois, seu dedo indicador começou a pressionar o gatilho da arma. No que completou a operação ouviram-se duas explosões. Uma do seu revólver, outra do revólver de um sujeito de cabelos curtos, calça jeans e camiseta branca, que esteve todo o tempo à sua retaguarda, sem que ele desse importância à sua figura. O indivíduo, em questão, era um policial, que pela aparência devia estar na faixa dos trinta anos de idade. Aquele era seu dia de folga, mas ao presenciar toda aquela cena promovida pelo assaltante e de vê-lo naquela posição, de costas para ele, não perdeu tempo e aproveitou a deixa, sacando discretamente sua pistola e mirando a cabeça do malfeitor. Gostaria de ter conseguido atirar antes de o miserável disparar sua arma, mas não conseguiu, mesmo assim ele viu o infeliz tombar de cima da mesa do cobrador e cair ao lado do mesmo, sem sem ao menos saber quem atirou nele. Onde caiu, seu corpo ficou, dando a entender que já estava morto. O cobrador não conteve um grito de pânico.
Um rebuliço começou a se instalar dentro da condução.
Antes que o ambiente se transformasse num caos total, o policial temerário se dirigiu para o meio do ônibus, na intenção de pegar os outros bandidos. O casal. De onde estivera sentado conseguira visualizar os dois, a mulher e o cara que parecia o líder. Por coincidência já conhecia aquela quadrilha pela fama, possuía informações a respeito deles, eram sempre os mesmos, sempre com o mesmo modus operandi. Encontrá-los naquele coletivo fora um tremendo golpe de sorte, que não pretendia desperdiçar, ainda que estragasse seu dia de folga. Sabia acima de tudo, porém, que eram muito perigosos. Bem, pelo menos um já estava fora de ação, e isso não era pouca coisa.
A bala que saíra do cano do revólver do terceiro bandido, tinha se desviado no instante em que o tiro do policial atingiu a cabeça do malfadado dono,e, por um capricho do destino, a temível bala em vez de atingir seu alvo pretendido, ou seja, Bob do Discman, foi se alojar no lado esquerdo do peito da namorada do bandido chefe, no exato instante em que ala apontava, por sua vez, sua "máquina de fabricar presuntos" para o indeciso namorado. Seu corpo caiu em cima de Bob ,que até aquele momento estivera alheio a tudo que acontecia ao seu redor, observando a paisagem pela janela do coletivo, enquanto sua mente viajava embalada pela música que saía do seu aparelho, com a voz de Ian Anderson, o vocalisat do Jethro Tull. Mais tarde ele ficaria sabendo que a mulher que caiu morta em cima dele, era uma ardorosa fã daquela banda e de outras do gênero.
Não havia modo mais cruel de voltar à realidade do que sob a mira de um revólver. Foi assim que Bob Marley se viu à mercê de um trinta e oito pronto para entrar em ação. Ele viu, também, um par de olhos implacáveis fitando os seus, tão terríveis quanto a própria arma que o ameaçava. Ele jamais estivera naquela espécie de situação e por causa diso estava sem saber que atitude tomar. Reagir ou ficar esperando o desfecho? Não sabia. De uma coisa tinha certeza, sua vida estava por um fio e nem sabia sequer quem estava por trás daquele trabuco.
Então ele ouviu um grito.
O policial vendo aquela estranha cena da mulher caindo em cima de um garoto com um aparelho sonoro e o outro bandido apontando sua arma para o mesmo garoto, não teve outra atitude. Apoiou-se naquela divisória entre o cobrador e o corredor do ônibus e mirou na direção do assaltante, dando o grito, na intenção de colocar o dito cujo de frente pra ele. E conseguiu.
Os passageiros, nessa altura dos acontecimentos, manifestavam as mais variadas atituddes. Uns gritavam ( mulheres, na maioria) outros se abaixavam nos bancos, teve até um que tentou pular pela janela do coletivo, por sorte não completando seu intento. O motorista resolveu desviar o trajeto para uma delegacia mais próxima, aproveitando que a situação já perdera o controle. Ele observara pelo retrovisor a movimentação à sua retaguarda e por causa disso se sentira encorajado a realizar tal façanha.
O bandidão se virou e olhou na direçaõ do grito. Foi tudo o que ele fez, pois no instante seguinte sentiu um enorme impacto no peito e, a príncipio, não se deu conta do que acontecia, sua mão instintivamente procurou o lugar em que sentira o tal impacto, e a sensação de um líquido pegajoso o despertou para a realidade sombria que se abria diante dele. Seu último pensamento, quando seus joelhos começaram a dobrar, na verdade não chegou a ser um pensamento, mas uma imagem: Um sujeito de cabelos curtos, calça jeans e camiseta branca, que no momento apontava uma arma na direção de sua cabeça.
Foi então que ele, num derradeiro gesto de sobrevivência, tentou acertar o tal cara, fazendo um enorme esforço para mirar onde ele estava. Mas foi só. A sensação seguinte foi de que a sua cabeça tinha se tornado um tremendo big-bang, a enorme explosão que, segundo cientistas, tinha dado origem ao universo, só que na explosão em questão, naõ surgiram as estrelas primordiais e sim o sangue e tudo o mais que veio junto com ele. O bandido ainda vislumbrou por entre as trevas que se formavam ao seu redor, o cano da arma do seu carrasco, a qual soltava uma espécie de fumaça negra, que foi aumentando, até se tornar um enorme manto negro que o levou para sempre.
A confusão no coletivo era total. Pessoas haviam desmaiado, outras gritavam histericamente, algumas pareciam coladas nos bancos, fazendo os mesmos de travesseiros. Mas quando o homem que abatera o último bandido se identificou, o alívio começou a reinar no ambiente. O homem, então, foi em direção ao motorista para dar-lhe instruções no sentido que ele tomasse o rumo de alguma delegacia, coisa que o 'piloto" já estava fazendo, ciente de que estava próximo do bendito orgão público.
O garoto chamado Bob Marley, que gostava de um rock progressivo, parecia em transe. Ver uma mulher cair morta em cima dele, depois ficar na mira de um trinta e oito e logo a seguir assistir à morte do dono do revólver com uma bala no peito e outra na cabeça, foi um pouco demais para sua jovem existência, já desconectada dos fones do discman, que sem perceber, colocara ao redor do pescoço. Ele foi conduzido para fora do ônibus por um dos passageiros, no caso, uma senhora que pegou na sua mão sem nem ao menos ele se dar conta. Mais tarde tomaria uma importante decisão, nunca mais viajaria, fosse em qualquer meio de transporte, portando aparelhos sonoros, nem ao menos assobiaria alguma música de qualquer gênero musical.
Depois de ouvir alguns passageiros, o motorista, e de saber que entre os três mortos no ônibus, dois tinham sido abatidos por um policial, fato contado pelo próprio e confirmado por todos que participaram direta ou indiretamente daquela empreitada, o delegado tomou algumas providências. Mandou que o motorista entrasse em contato com sua empresa, dizendo que eles arrumassem um outro carro para que os passageiros completassem o seu percurso, afinal aquele teria que ficar retido para averiguação, pediu que o policial que fizera o trabalho no ônibus ficasse para dar um panorama completo do acontecido, num relatório, mandou que um dos seus policiais pegasse nome e endereço de cada um dos passageiros, incluindo telefone, para futuros depoimentos e, por fim, determinou que isolassem a viatura.
o cara que, em plena folga, se tornou o herói do dia, foi ao encontro do menino do discman, que ainda parecia fora desse mundo. Colocou sua mão direita sobre o ombro direito do menor,e, no tom mais amigável como se o conhecesse há muito tempo, lhe disse que possuía em casa uma coleção do Led Zeppelin, e, se ele quisesse poderiam fazer negócio. O garoto recobrou quase de imediato seus sentidos, captando essa mensagem. O policial, então, repetiu a proposta, a qual Bob Marley,ou, Bob do Discman disse que iria pensar.
Os dois trocaram um aperto de mão.
A tarde estava chegando ao fim
Em tempo: O cobrador foi medicado num hospital próximo e seu estado era bom.